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Que a vida nos escapa é algo que há muito sabemos. Afinal, desde a antiguidade clássica, tratados filosóficos e obras literárias já anunciavam a importância de saber aproveitar o pouco tempo que se tem, visto a brevidade da vida.

Entre diversos escritores que se debruçaram em fruir o tempo e fazer da existência mementos de uma vida feliz, encontramos Lúcio Anneo Sêneca, um filósofo romano do século 4 a. C. Mais prático do que teórico e buscando fazer da filosofia o construto mesmo da vida, Sêneca, o jovem, foi certamente um dos maiores representantes dos valores do estoicismo clássico.

Muitos dos aprendizados que podemos reter da filosofia de Sêneca encontram-se compilados em suas cartas endereçadas a Lucílio, destinatário este que não se sabe ao certo se existiu ou se foi apenas uma entidade criada pelo estoico para desenvolver sua filosofia. 

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O que sabemos é que a obra epistolar do autor atravessou a história, suscitando uma grande quantidade de discussões a respeito da solidão, da velhice, da morte, do suicídio e, claro, do nosso tema de hoje – da brevidade da vida.

As inquietações que reverberam na alma de Sêneca e foram expressas em suas obras podem ser facilmente transpostas para a atualidade, visto que as suas lições são quase como bálsamo diante das contradições que influem sobre o humano. Vejamos 5  delas a seguir:

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1. Não desperdice o pouco tempo que se tem 

Há na sabedoria estoica a compreensão de que o tempo é uno, mas a Natureza o divide para nos dar a aparência de duração. Assim como podemos observar nas estações do ano e nas fases de plantio, a vida humana não passa de um instante dividido em algumas fases, como afirma o filósofo em sua grande obra “Aprendendo a Viver”, um dos mais célebres livros do estoicismo:

De uma parte, fez a infância, de outra, a meninice, depois a adolescência, o declínio da adolescência à velhice e, por fim, a própria velhice. Em algo tão estreito, quantos degraus há!” 

Aprendendo a Viver Sêneca

Sêneca considera que se nem o pouco tempo que temos é o suficiente para suprir o necessário, não podemos desperdiçá-lo com aquilo que não seja essencial. Ora, ser governante de si significa, para os estoicos, reivindicar antes de mais nada o tempo de vida que lhe é devido. É ter a consciência de que se “certos momentos nos são tomados, outros nos são furtados e outros ainda se perdem ao vento”, a nós cabe a fruição do presente como uma forma de exercício do poder sobre a vida que se esvai.

Saber aproveitar o seu tempo com os olhos no hoje e consciente de que cada tempo perdido, seja por negligência ou por infortúnios, consiste em lançar-se aos braços da morte é reivindicar o direito sobre si mesmo. A grande questão é: com o que você tem gasto o seu tempo? Em termos estoicos, pelo o que você tem morrido a cada dia?

2. Memento Mori – Lembre-se: você irá morrer!

Qualquer tempo que já passou pertence à morte! Contudo, é muito comum que nos esqueçamos que um dia já não estaremos mais aqui, alimentando a falsa presunção de que viveremos para a eternidade. Mas, a brevidade da vida se faz ver todos os dias.

Talvez, se entendêssemos que a qualquer momento a morte pode nos abraçar, deixaríamos de nos preocupar com muitas coisas que não valem nosso tempo; ligaríamos para aquela pessoa que tanto amamos; encontraríamo-nos com aquele amigo distante; beijaríamos os nossos pais como se fosse o beijo último;  

E assim, considerando que o não-ser é uma verdade intransponível, deveríamos tomar a morte dia após dia por conselheira e nos perguntar: se esse fosse o meu último minuto, eu me permitiria apenas existir? Esperamos diariamente por um momento milagroso sem nos darmos conta de que todo instante de vida que temos é único e marulhoso.

Portanto, em verdade estoica, lembrar da morte não é outra coisa senão lembrar da vida! Mas, vale a ressalva, que a morte não te traga medo, pois quando a morte chegar, não estaremos.

3. Viva como se não houvesse o amanhã

A morte realmente é inevitável, posto que está fixada pelo destino do qual não podemos fugir, mas a sua chegada não nos é previsível. Então, se não é possível calcular exatamente o momento em que partiremos, o que nos cabe?

Segundo os ensinamentos de Sêneca, a cada um de nós cabe viver cada dia como se fosse o último. E isso só é possível se entendermos que o futuro é incerto e tudo o que verdadeiramente temos é o instante presente. Assim, a inquietação com o futuro é inútil, afinal, enquanto nos preocupamos com o amanhã o hoje nos escapa. Vivemos para projeção e prospecção de um futuro que não sabemos se chegará.

Arquitetamos grandes planos com a esperança de um dia tardio sermos felizes e esquecemos que a vida não é mais que um sopro. Ganhamos o futuro ao custo do presente. E assim, aos poucos entregamos a vida às famosas condicionais, “quando eu tiver alguém, então serei amado”, “quando eu tiver dinheiro, então serei próspero”, “quando eu me aposentar, então minha vida será plena”…

Mas, como podemos afirmar que um dia chegaremos até os “quandos”? Não podemos! Esperar que o tempo congele, como se a existência só fosse de fato acontecer quando alcançarmos as melhores condições para saciar as nossas vontades, é morrer em vida. Mas o tempo não pára, como dizia o poeta Cazuza, logo, tenha em mente que a vida acontece e não acontecerá!

4. Encoraje-se contra as dificuldades e tranquilize-se diante do inevitável

Para muitos,  a filosofia de Sêneca soa como a filosofia dos resignados. Isso porque a busca pela tranquilização da alma diante do inevitável emerge no estoicismo quase como um princípio ético.

Vale lembrar que, para o estoico, o destino é implacável. Nesse sentido, as adversidades que se interpõem à vida humana se dão necessariamente e dela fazem parte.  Desta forma, para o filósofo, a sabedoria não consiste em agir buscando obstar as contrariedades intrínsecas à vida – afinal, essa seria uma guerra da qual sempre perderíamos – mas sim em aceitar que viver é ser soldado.

Em termos simples, Sêneca lança-nos um convite a aceitação daquilo que não se pode mudar, quase que se nos provacássemos a nos perguntar todas as vezes que nos encontrássemos diante de situações adversas: o que posso fazer perante isto?

Perceba que essa mudança de percepção nos leva a constatação de que não são os acontecimentos neles mesmos ruins, mas a percepção e o juízo que fazemos deles. O carro quebrou? Discutiu com alguém?  A sua saúde está em desequilíbrio? Sofreu uma rejeição amorosa? Tudo isso faz parte da existência, a questão é: o que você decide pensar e fazer em relação a isso? 

Se não nos cabe a mudança das circunstâncias e do curso dos acontecimentos, sob o pensamento estoico, ao menos nos cabe não nos permitir ser impactados por eles. Aceita que a adversidade e os problemas fazem parte da vida, mas não deixe que nenhum revés te tome a paz e a tranquilidade de ser.

5. Entenda que o valor da vida está em seu uso

Embora não nos caiba decidir quanto tempo de vida nos resta, ao menos nos cabe viver plenamente durante o tempo que temos. Há uma diferença muito clara, para os estoicos, entre viver e perdurar, ao considerarem que o valor da vida não está em sua duração, mas em seu uso, em sua aplicabilidade. Tão certo que uma existência pode ser plena, mesmo que curta.

Que a vida passa já entendemos, mas isso não quer dizer que devemos nos deixar ser levados levianamente pelos acontecimentos. Inquietações com o que não se pode mudar, lembranças amargas do passado e preocupações com o futuro são perdas de tempo de vida.

Há muita sabedoria em conhecer a si mesmo ao ponto de entender o que de fato importa. Se quer um empurrãozinho para saber se faz bom uso de sua vida, pergunte-se todos os dias: do que eu quero ser lembrado quando não mais estiver? Todas as minhas ações estão alinhadas com o meu propósito de vida? Tenho vivido plenamente ou apenas estou sendo arrastado pela vida?

De fato, a brevidade de sua vida não está sob o seu controle, mas como você empregará o pouco tempo que tem é uma escolha a qual você não pode delegar, tampouco se abster, eis o preço de ser.

Gabriel Mello

Sou doutorando em Letras e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Valendo-me da alma inquieta de um filósofo e dos despropósitos de um menino que carrega água na peneira, escrevo sobre as grandes questões e temáticas da Filosofia e da Literatura.

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