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Vinho em abundância, festas grandiosas e orgias, eis aí uma forma de viver os postulados epicuristas em sua integridade, certo? Afinal, quem diria que esta não seria uma forma legítima de aproveitar o pouco tempo que se tem, alinhando a fruição dos prazeres à existência?

Quiçá, Epicuro de Samos tenha sido um dos filósofos mais incompreendidos da história da Filosofia. A ideia da exortação dos prazeres tão presente no pensamento do filósofo, levou muitos a acreditarem que o epicurismo servia-se a uma busca incessante por prazeres desregrados e intemperantes.

Tão certo que por séculos volúpia e luxúria foram comumente associadas às bases do epicurismo enquanto prazeres a serem buscados para a fruição da brevidade vida. Mas, se voltarmos aos textos filosóficos que restaram do filósofo de Samos, perceberemos que os prazeres que o mesmo considerava como fonte da felicidade estão bem longe de luxo, riquezas e satisfação sexual.

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Afinal, o que é o prazer para Epicuro?

Nem pleno gozo dos sentidos, nem desejo desequilibrado, nem banquetes fartos, tampouco lascívia, o prazer, para Epicuro, consiste antes na ausência de sofrimentos físicos e perturbações da alma. Dessa forma, os prazeres visam acionar a finalidade da vida feliz ou seja: a junção da serenidade do espírito e da saúde do corpo. 

Sob essa perspectiva, o epicurismo define o prazer em três gêneros: prazeres naturais e necessários, prazeres naturais e não necessários e prazeres não naturais e não necessários. E o conhecimento de cada uma dessas classes é essencial para o justo direcionamento de nossas escolhas para o fim mesmo da vida – a felicidade. 

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Prazeres naturais e necessários

Epicuro distingue os prazeres naturais e necessários entre aqueles que são: 

  • Fundamentais para a felicidade;
  • Fundamentais para o bem-estar do corpo;
  • Fundamentais para a própria vida.

Esta seria a classe de maior importância ao que tange os desejos, visto que são eles mesmos que, ao concorrerem à conservação da vida, cessam a dor e o sofrimento que possam advir das nossas necessidades mais básicas e fisiológicas, tais como: a sede, a fome e o frio.

Prazeres naturais e não necessários

No segundo gênero, temos os prazeres naturais e não necessários, os quais estão atrelados aos de primeira ordem, mas se fazem para além da necessidade de conservação da existência.

Podemos entender essa classe de prazeres como aquela em que encontramos a satisfação em comer uma refeição mais saborosa; beber uma bebida requintada; vestir uma roupa, para além de confortável, mais elaborada.

Prazeres não naturais e não necessários

No terceiro gênero, encontramos os prazeres inúteis e supérfluos, para Epicuro. Isso porque nem naturais e necessários, tais prazeres estão distanciados da busca pela manutenção da vida e encontram-se relacionados a uma vida de honrarias, luxuosidade, vazios existenciais, status social, poderes e riquezas.

Mais próximos de uma vida de aparências e ilusões, os prazeres não naturais e não necessários são altamente recriminados por Epicuro, visto que a sua constante busca propicia mais sofrimento do que felicidade, afinal, são vazios em si mesmos.

Assim sendo, considerando os três gêneros supracitados, Epicuro outorga aos prazeres necessários o início e fim mesmo da vida feliz, considerando que tais nos levam a alcançar a tranquilidade do corpo e da alma. 

Nesse sentido, o prazer, nos moldes epicuristas, consiste no bem primeiro e inato do homem, contudo nem todo prazer é digno de ser escolhido, afinal, como veremos a seguir é prudente evitar aqueles prazeres que mais nos proporcionarão dor do que satisfação, bem como aceitar sofrimentos que ao cessarem possibilitarão a ascensão de um prazer mais elevado.

A importância da fruição prudente dos prazeres

Todas essas considerações concorrem ao ponto nevrálgico da ética de Epicuro: a acepção de autossuficiência. O filósofo deixa bem claro na carta ao amigo Meneceu – Sobre a Felicidade – que a sua filosofia não é um culto a uma vida de escassez e miséria, por assim dizer, mas visa demonstrar que, ao aprendermos a nos satisfazer com o pouco, encontraríamos aí contentamento, caso não tenhamos muito.

Se o alimento simples propicia igual satisfação da fome e da sede que um prato de uma culinária requintada e uma coberta de lã aquece tão ou melhor que o mais nobre cobertor de fios de seda, entender e se habituar a simplicidade não é só conveniente para a saúde física, mas também uma forma de nos prepararmos para momentos de adversidade que possam surgir e para melhor aproveitar os momentos de prosperidade.

Sendo assim, quando Epicuro nos convida a exortação dos prazeres em busca de uma vida feliz, ao que de fato nos convoca é para a busca da fruição de prazeres moderados, encontrados nas coisas simples da vida e que possam aplacar as inconstâncias de nossa alma (ataraxia) e dirimir os sofrimentos corporais (aponia). 

Talvez você esteja se perguntando: como poderíamos chegar à máxima fruição dos prazeres, segundo o filósofo de Samos? A partir do exercício da prudência! Como vimos, não é a escolha de qualquer prazer que nos levará à felicidade, é preciso saber ter prazer para se viver uma vida feliz. E isso só é possível, na concepção epicurista, quando o prazer está em alinhamento com a prudência.

Quando guiados pela prudência, discernimos e deliberamos melhor sobre os desejos que possuímos e sobre os bens e males que podem nos sobrevir conforme a satisfação dos mesmos. E, aos poucos, compreendemos assim que os prazeres que concorrem para uma vida feliz estão longe da busca desenfreada e obtenção de qualquer bem material, como bem dizia o poeta Horácio:

“Gemas, mármore, marfim, estátuas, tirrenas, quadros,

Pratarias e vestes getúlicas tingidas de púrpura;

Há quem não os tenha; há quem não os busque”.

(Epístolas II,2,180-182)

Gabriel Mello

Sou doutorando em Letras e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Valendo-me da alma inquieta de um filósofo e dos despropósitos de um menino que carrega água na peneira, escrevo sobre as grandes questões e temáticas da Filosofia e da Literatura.

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