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Diferindo-se das doutrinas filosóficas idealistas e abstratas, o epicurismo emerge como uma das filosofias helênicas mais influentes da história da filosofia. E assim, após os voos transcendentais em que a filosofia grega se lançou, o epicurismo alça então o belo pouso no hangar da vida, lembrando que: seja a filosofia o infinito céu ou o mais profundo oceano, ela tem que se voltar para a terra.

Afinal, o que é o epicurismo?

Fundado por Epicuro de Samos, o epicurismo consiste em uma corrente filosófica que afirma que os prazeres são o fim último da vida, sendo capazes de levar o ser humano à felicidade.

Nesse sentido, a felicidade estaria intimamente ligada à exortação dos prazeres moderados e, consequentemente, à diminuição das perturbações da alma e dos sofrimentos corporais. Percebe-se assim que o prazer, para o filósofo, não se assenta no luxo, tampouco no gozo promíscuo, mas antes em aspirações modestas.

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O epicurismo encerra assim uma filosofia da vida em que o caminho para a felicidade é trilhado a partir da compreensão da Natureza. E o que é Natureza, para Epicuro? Ora, o filósofo grego explica a physis pelos seus princípios fundamentais: os átomos e o vácuo.

Os átomos são infinitos e se movimentam de forma dinâmica. A infinidade e distinção dos átomos corpóreos podemos explicar a multiplicidade da matéria. Não à toa, explica o filósofo de Samos, que alma e corpo constituem-se de átomos que se diferem pela sutileza e grossura respectivamente.

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Segue-se ainda que os átomos nunca cessam o movimento e as transformações. Quando perdemos átomos, devido ao rompimento das ligações atômicas, passamos da vida à morte. No entanto, os átomos nunca são destruídos em si mesmos, mas formam novas combinações para edificar outros seres.

Dada a morte do corpo, fenece a alma, visto ser esta também atômica, de onde se segue que, para o epicurismo, não existe imortalidade da alma. Após o não-ser, segundo Epicuro, nada somos, termina-se aí tudo o que nos torna humanos demasiadamente humanos, inclusive, nossos receios e medos da morte.

Epicuro de Samos: o filósofo helênico 

Nascido em 341 a.C, Epicuro de Samos foi discípulo do filósofo platônico Pânfilo, com o qual manteve ligações até atingir seus 18 anos. Com tal idade, Epicuro viaja para Atenas com fins de cumprir o treinamento militar, onde conhece o dramaturgo Menandro.

No centro da vida intelectual, Epicuro encontra grandes filósofos, como Teofrasto e Xenócrates, os respectivos sucessores de Aristóteles e Platão. No entanto, com a expulsão dos colonos atenienses de Samos, Epicuro passa a viver com a sua família de emigrantes em Cólon.

Perto dali, o filósofo encontra em Teós aquele que seria um de seus maiores mestres – Nausífanes, responsável por apresentar a Epicuro as teorias atomistas de Demócrito, as quais os filósofo reformula ao fundar sua escola. Aliás, sabe-se que o pensador ainda empreendeu a fundação de uma escola na Ilha de Lesbos, mas foi rechaçado pelos aristotélicos que a habitavam.

Ao encontrar tamanha resistência, Epicuro migra para Lâmpsaco e, embora não fosse bem-vindo pelos platônicos, funda ali a sua escola filosófica, acumulando uma legião de discípulos, tais como Hermarco, Heródoto e Pítocles – os filósofos epicuristas.

No entanto, é somente em 306 a.C que Epicuro, ao voltar para Atenas, fundará aquela que seria a sua mais célebre escola ao Jardim de uma casa bem ampla, para assim abrigar os seus seguidores, ficaria conhecida como o Jardim de Epicuro. Após a morte do filósofo, seria o seu discípulo Hermarco o grande responsável por dirigir o Jardim e propagar os ensinamentos do epicurismo.

O Jardim de Epicuro: uma escola filosófica para todos

O jardim está para Epicuro, assim como a Academia está para Platão e o Liceu está para Aristóteles. A escola de Epicuro foi aberta em Atenas – o grande centro do pensamento grego – em um campo um tanto quanto afastado da vida urbana.

Diferente do Liceu de Aristóteles, o ginásio epicurista não estava no centro ateniense, mas sim em um Jardim a céu aberto.  No Jardim, os angustiados se reuniam para compartilhar dos ensinamentos do filósofo helênico.

Acreditando que a vida pública só poderia trazer maiores preocupações, Epicuro escolheu um lugar de extrema calmaria e tranquilidade, um verdadeiro refúgio para as almas inquietas, as quais eram acolhidas sem distinção de classe social – nem cidadãos, nem atenienses, nem estrangeiros, nem homens ou mulheres, tão somente seres humanos.

E assim, no Jardim de Epicuro as sementes eram grandes questões sobre a vida, que floresciam em ensinamentos práticos. Aliás, era ali, na vida apartada do centro urbanístico e da multidão de homens, que as subjetividades encontravam consolo para as dores do mundo.

No solo fétil do Jardim, todos compartilhavam igualmente  dos ensinamentos de Epicuro, encontrando nas palavras do filósofo o culto ao prazer e a tranquilidade frente a morte e os deuses. Nada era preciso temer e o equilíbrio assim se enraizara. 

Epicurismo x Hedonismo: entendendo as diferenças

Pelo culto a exortação dos prazeres, o epicurismo crassamente tem sido remetido a uma busca desenfreada aos prazeres imoderados, como um hedonismo purista. Sabemos bem que a acepção de prazer em Epicuro nada diz respeito a uma volúpia, afinal, em sua Carta Sobre a Felicidade, o filósofo expressa claramente sobre a que tipo de prazer se refere.

Todos os relatos que nos restam acerca do Jardim de Epicuro deixam claro que os pensadores vivam à maneira do asceta. Ali compartilhavam não somente reflexões filosóficas, mas também das hortaliças que plantavam, acompanhadas, por vezes, de água e pão.

Sendo assim, se pudéssemos dizer do epicurismo um hedonismo, talvez devêssemos encará-lo mais como um busca pelo prazer do sábio, aquele prazer em que se ramifica em prazeres naturais e necessários, capazes de levar o indivíduo ao encontro de si – nem falta, nem excesso, mas a justa medida.

No entanto é importante lembrar que quando pensamos em hedonismo filosófico, devemos o conceito não a Epicuro, mas a Aristipo de Cirene, para o qual existiam dois estados de alma, sendo o prazer e a dor. Para o hedonista, somente o prazer, sobretudo o corpóreo, poderia levar o homem à felicidade, considerando que o afasta da dor. 

Nesse sentido, quanto maior for a duração e a intensidade do prazer, maior será a felicidade. Em outras palavras, para os membros da escola cirenaica o prazer seria um fim em si mesmo.

As múltiplas facetas do hedonismo na história

Sobrevivendo a história, o hedonismo filosófico será revisado no século XVIII por Julien Offray de La Mettrie em Discours sur le bonheur, La Volupté e L’Art de jouir. Nestas o médico elabora uma espécie de ethos materialista em que o fim da vida está nos prazeres sensíveis, de modo que uma vida virtuosa se embasa no amor-próprio.

Radicalizando o hedonismo de seu mestre, Donatien Alphonse François de Sade, mais conhecido como o Marquês de Sade, passa a entender a  busca dos prazeres como uma expressão de uma sexualidade libertina, enquanto uma forma de transvalorar todos os valores morais vigentes.

Não obstante, Sade defendia fervorosamente os bordéis públicos como uma maneira de evitar crimes sexuais. Nesse sentido, os bordéis ofertados pelo Estado, como sugere o filósofo francês, seriam lugares de expressão e satisfação dos prazeres sexuais.

Vale lembrar que, após o extremismo sadiano, o hedonismo foi reformulado diversas vezes ao longo da história. Aliás, o conceito serviu até mesmo às teses utilitaristas de Jeremy Bentham e Henry Sidgwick. 

Sidgwick distingue o hedonismo em duas espécies: hedonismo ético e psicológico. O primeiro diz respeito à teoria em que o prazer seria o fim último da vida. Já o segundo é a hipótese de que o homem sempre busca elevar o prazer e reduzir a dor. Aqui já podemos perceber um afastamento do hedonismo egoísta e do hedonismo extremista, considerando que no hedonismo utilitarista o prazer se sustenta na busca pela “maior felicidade ao maior número de pessoas envolvidas”.

Atualmente, a concepção de hedonismo alude mais à acepção sadiana do que a epicurista. Não à toa, diz-se hedonista aquele que busca incessantemente gozar dos prazeres da vida, sobretudo os sexuais.

Gabriel Mello

Sou doutorando em Letras e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Valendo-me da alma inquieta de um filósofo e dos despropósitos de um menino que carrega água na peneira, escrevo sobre as grandes questões e temáticas da Filosofia e da Literatura.

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