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Dirigido por Peter Weir e roteirizado por Andrew Niccol, o filme “O Show de Truman”, estrelado em 1998 nos E.U.A, mostra-se uma fiel representação contemporânea da Alegoria da Caverna de Platão. O longa retrata a história de Truman Burbank (Jim Carrey), um corretor de seguros que, vivendo na artificial ilha de Seahaven, protagoniza um reality show, sem ter ciência de que o faz. Truman tem a sua vida inteira, inclusive o momento de seu nascimento, assistida por milhares de espectadores, espalhados pelo mundo inteiro.

Muito embora o filme possa ser lido como uma crítica à sociedade de consumo, também podemos analisá-lo com o foco na manipulação midiática, que através da representação de um mundo ilusório e aparente aniquila a privacidade subjetiva.

Em outras palavras, o mundo fictício, no qual Truman vive, colapsa a sua existência, tornando-o alienado à verdadeira realidade. Desse modo, para melhor entendermos como isso se dá, faremos uma análise do longa à luz da Alegoria da Caverna de Platão presente em sua célebre obra, “A República”. Confira a seguir!

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A ilusão do Show de Truman

O filme Show de Truman conta a história de Truman Burbank, um homem que vive toda a sua vida em Seahaven, uma cidade artificial criada para ser um reality show. Truman não sabe que sua vida é uma farsa e que está sendo filmado 24 horas por dia.

Nada ao seu redor é real. Seus familiares e amigos, bem como todas as pessoas que habitam a cidade, não passam de atores contratados para dar sustância ao espetáculo da sua vida, criado por Christof (Ed Harris), o diretor do reality.

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Ao longo do filme, o protagonista prisioneiro começa a questionar a realidade que o cerca em busca de respostas sobre a verdadeira natureza do mundo em que vive e de sua própria existência.

A Teoria da Caverna de Platão

Em “A República”, Platão nos leva a pensar em uma caverna, na qual prisioneiros possuem algemas em suas pernas e pescoços de tal maneira que só podem permanecer eretos, olhando para uma parede. Atrás dos prisioneiros, em uma elevação, encontra-se uma fogueira que lhes serve de luz. E, à frente da fogueira, estende-se um caminho, no qual alguns homens passam carregando alguns objetos, as sombras destes são refletidas na parede diante dos prisioneiros.

Uma vez que os prisioneiros só possuem acesso às sombras, acabariam, segundo Platão, julgando que as mesmas são os verdadeiros objetos. Mas, se um dos prisioneiros fosse liberto e curado de sua ignorância, ao contemplar os objetos reais, julgaria que as sombras da caverna não passavam de meras aparências.

A analogia entre Truman e o prisioneiro da Caverna de Platão

O “Show de Truman” torna evidente a monótona rotina de Truman, o protagonista. Dia após dia, o personagem vivencia exatamente os mesmos acontecimentos, nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas. Contudo, não possui uma capacidade de análise racional para duvidar do mundo em que vive, tomando por real, assim como os prisioneiros da caverna, aquilo que se faz apenas aparente.

Deste modo, na ausência de condições intelectuais para julgar o meio em que vive, Truman se mostra um ser totalmente alienado e manipulado. Tão certo, que as propagandas de cerveja, faca, frango, cortador de grama e até de achocolatado são constantemente realizadas por pessoas que lhe são próximas dentro de sua vida para um mundo que lhe é totalmente alheio e desconhecido.

Além disso, o mundo representacional, palco da vida de Truman, é totalmente condicionado. Em outras palavras, toda e qualquer ação decorre da inexorável fatalidade artificial, criada por Christof e que, consequentemente, condiciona e determina o destino de Truman. Assim, a vida não passa de um espetáculo, do qual o ator não pode deixar de atuar. Truman só é livre para ser o que é – um ator condicionado.

Sendo assim, embora não esteja preso a sua caverna por correntes, Truman é preso pelo ato intencional de um criador e por uma série casuística de ações mecânicas previamente determinadas. Além disso, a protagonista objetiva a sua condição de prisioneiro através de sua própria ignorância em relação ao meio, propiciada pela ausência daquilo que o filósofo Immanuel Kant denomina de esclarecimento, ou seja, a capacidade de servir-se de seu próprio entendimento sem a direção alheia.

Assim, somente através da perda da verossimilitude é que a aparente realidade passa a ser questionada. O exagero e constância intransponível das ações de quem o cerca fazem do mundo algo utópico e artificial, no qual nem a mais bela esposa e o melhor emprego são capazes de amenizar o peso de uma existência.

Em busca da liberdade: a verdade está lá fora?

A percepção da irrealidade imanente só é totalmente alcançada na medida em que Truman busca desvencilhar-se da sua condição inerme através de um ato de coragem. O princípio de verossimilhança é perdido ao longo do filme e sua perda é materializada em uma série de acontecimentos tais como, o encontro casual de Truman com seu pai que deveria estar morto e a interferência no rádio que leva Truman a ouvir as suas próprias ações em tempo real.

Isso tudo faz com que o protagonista, ao perceber a repetição e automatismo das ações que o rodeiam, questione a possibilidade de estar sendo manipulado. Desse modo, existir naquele mundo torna-se insustentável a Truman. Tudo se torna incerto e dúbio para uma existência materializada pelo irreal.

Não mais resiliente à falsa realidade, Truman busca a todo custo abandoná-la, e assim o faz. Somos condolentes com as vivências de Truman. Sua busca de si próprio, incita-nos a questionarmos o estatuto ontológico de nossa realidade e de nossa existência, uma vez que compartilhamos, mesmo que indiretamente, da sua fragilidade e ignorância à manipulação massiva dos meios midiáticos que nos prendem a um mundo ilusório e insípido.

Ao fim, a nossa vida também é uma espetacularização e vivemos em cavernas contemporâneas, por vezes, intransponíveis. Deste modo, o show de Truman é o show de Gabriel, Ana, João, Maria, Lucas e de tantos outros indivíduos. Em verdade, o show de Truman é o show do sujeito universal.

Ficamos por aqui, esperamos que você tenha gostado desse conteúdo. Aliás, aproveite a visita e continue navegando pelas nossas demais publicações aqui do site. E, se por acaso não nos virmos, bom dia, boa tarde e boa noite!

Gabriel Mello

Sou doutorando em Letras e mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Valendo-me da alma inquieta de um filósofo e dos despropósitos de um menino que carrega água na peneira, escrevo sobre as grandes questões e temáticas da Filosofia e da Literatura.

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